Saúde mental vs. Doença mental

Ariel Milton, Psicólogo

Nós, aqueles que trabalham em Saúde Mental, lutamos diariamente para combater o estigma associado às pessoas com Doença mental.

A escolha das palavras é estratégica: a Saúde Mental é mais inclusiva (inclui Bem-estar psicológico, Sofrimento Psicológico e Doença mental) e deixa espaço para falar sobre a promoção da Saúde Mental, que é relevante para todos nós. Num esforço para diminuir o estigma, expandimos a nossa forma de falar sobre a Doença Mental;

a “Saúde Mental” dá-nos esperança, e a “Doença Mental” nem tanto.

Saúde e Doença não são estados ou condições estáveis, mas sim conceitos vitais sujeitos a constante avaliação e mudança.

Num passado ainda recente a doença era frequentemente definida como "ausência de saúde", sendo a saúde definida como "ausência de doença" - definições que não eram esclarecedoras. Algumas autoridades encararam a doença e a saúde como estados de desconforto físico ou de bem-estar.

Infelizmente, perspectivas redutoras como estas levaram os investigadores e os profissionais de saúde a descurar os componentes emocionais e sociais da saúde e da doença. Definições mais flexíveis quer de saúde quer de doença consideram múltiplos aspetos causais da doença e da manutenção da saúde, tais como fatores psicológicos, sociais e biológicos.

A presença ou ausência de doença é um problema pessoal e social. É pessoal, porque a capacidade individual para trabalhar, ser produtivo, amar e divertir-se está relacionado com a saúde física e mental da pessoa. É social, pois a doença de uma pessoa pode afetar outras pessoas significativas (por exemplo, família, amigos e colegas).

Como se define a pessoa com “Doença mental”?

Será que a sabedoria convencional limita a definição para pessoas que têm diagnósticos oficiais?

Para quem já esteve internado? Ido a um psiquiatra/psicólogo? Tomou medicação para falar para um grupo de pessoas (automedicação é prática perigosa...)? Serão só as pessoas que têm uma depressão grave, que as forçam a uma baixa médica? Ou que impede a pessoa de fazer as coisas "normais" como compras num supermercado, pagar contas, coisas que tem de fazer para viver.


No nosso quotidiano encontramos pessoas que nos partilham as suas estórias da sua luta de Saúde mental. Pessoas que tentam obter apoio psicológico/psiquiátrico porque sentem necessidade de lidar melhor com algumas das suas características pessoais, por se sentirem sem esperança em relação às suas vidas, porque precisam de partilhar algo, proceder a uma reflexão apoiada abordando diferentes perspectivas, ou apenas porque precisam de uma pausa de tudo e de um momento seu.


Esta pessoa é mentalmente saudável ou doente mental?

Pessoas de sucesso no presente contam-nos estórias de problemas psicológicos ou psiquiátricos graves no passado.

A pessoa é a mesma, mas diferente. Então e nós? O que se passa com a saúde mental - ou doença mental - para nós? (aqueles que nunca têm problemas!, ou não.). Todos nós, que estamos nas nossas compras de supermercado e vidas de stress e pagamento de contas, e que às vezes lutamos arduamente até "chegar ao limite" das nossas capacidades - sofrimento psicológico, que se continuado pode levar a doença mental.


Os nossos caminhos podem não ter-nos levado a um consultório médico para obter um diagnóstico, as nossas situações podem não ter sido “terríveis” o suficiente para merecer um tratamento. Mas podemos ter sido as “tais pessoas” que precisaram de uma baixa por Saúde mental, ou ter necessitado de apoio em situações de crise, ou tomado medicação "leve" para falar em frente de um grupo de pessoas, ou simplesmente não tivemos a coragem de procurar apoio, por vergonha ou receio dos efeitos do estigma.


Podemos combater o estigma, reconhecendo que muitas pessoas vivem todos os dias ao longo de um espectro de Saúde mental, Bem-estar e Doença?

Podemos estar numa extremidade do referido espectro num dia e na outra extremidade no outro dia, e mais frequentemente, no do meio (ver imagem sugestiva capa). O reconhecimento de que, de alguma forma, todos navegamos neste espectro deverá apelar à nossa consciência, incutindo uma atitude e discursos mais construtivos, desprovidos de preconceitos e estigma, para que possamos não ser apenas mais conscientes, mas mais solidários entre nós, onde quer que estejamos, juntamente com o espectro de hoje.

Ideia central: “as doenças mentais devem ser encaradas do mesmo modo como se olham para as doenças físicas”.

Ariel Milton, Psicólogo / PTSD Center Portugal - www.ptsd-center.com