“7 MITOS”
PARA A TOMADA DE DECISÕES DE CARREIRA
Ariel Milton, Psicólogo
Vivemos num contexto socioeconómico complexo em que a mudança e a volatilidade dos conceitos adquiridos (sociais, políticos, económicos) terão necessariamente de se adaptar, sob pena de se tornarem obsoletos. O “emprego para toda a vida” e a “carreira da base até ao topo” tornaram-se duas falácias geradoras de grandes equívocos para os que acreditarem que será esse o rumo a seguir.
A única coisa em que podemos confiar é que o certo torna-se incerto e o improvável torna-se provável. O futuro não pode ser previsto, tem de ser criado.
Assim, relembramos algumas das ideias debilitantes “mitos” que muitas pessoas pensam e sentem na tomada de decisões de carreira:
“BOLA DE CRISTAL” – “ se tiver um plano, tudo correrá melhor no futuro…”
As pessoas muito compostas, muito certinhas, esquematizadas, que tem tudo controlado!…acreditam com exatidão que tem um plano para o futuro, que é resultado nos testes vocacionais ou outro.
Não raras vezes a sociedade, que está em constante mudança, “apresenta” outra realidade diferente daquela que planeou. As pessoas fazem projetos “descontextualizados” em termos espaciotemporais. Planeamos uma realidade no presente para um futuro incerto. Muitas vezes as pessoas têm de planear o futuro passo a passo sem saber muito bem o resultado final. Muito frequentemente os estudantes são confrontados com uma escolha e pensam que vão definir o seu futuro…irremediavelmente! Decisões prematuras e inadequadas poderão resultar em ansiedade e frustração associados ao “não sei o que vai acontecer”.
“Não tenho a certeza se quero fazer isto o resto da minha vida”; “Quero ter a certeza de que não tenho de mudar de curso no meio do ano e perder os meus créditos.”; “Acho que é melhor ter a certeza, pois estou a decidir para o resto da minha vida.”
Ideia irracional. “Devo estar absolutamente certo antes de decidir.”
Paradoxo criado. “Acredito que tenho que ter certeza antes de decidir, mas não há nenhuma forma de ter certeza, se eu não decidir primeiro.”
Ideia alternativa. “Posso não ter certeza, no entanto não significa que não possa fazer alguma coisa agora. Se decidir agora será uma oportunidade de obter informações da forma como decido, que será importante para mim nas decisões que farei no futuro.”
“QUANDO É QUE TE VAIS DECIDIR?!”
Este mito está relacionado com a ideia que uma carreira tem um momento certo para se decidir/iniciar (normalmente no final do secundário ou universidade). Muitas vezes decidir este “destino” causa muita ansiedade, pois um eventual engano seria "catastrófico". Ficando encurralado para o "RESTO DA MINHA VIDA!" A falácia básica inerente a este mito é que esquece completamente de reconhecer o desenvolvimento da carreira como um processo constituído por inúmeras decisões feitas ao longo da vida. Um exemplo do mito é encontrado em estudantes que entram num colégio privado ou faculdade, que acreditam ter tomado a decisão de se tornar um médico para sempre! Na realidade, eles apenas comprometeram-se a um primeiro semestre ou a um programa de reforço de formação.
“Ainda não decidi o que eu quero ser.”; “Preciso de decidir uma carreira.” “Todos já decidiram e eu não.” “Acho que chegou a hora para finalmente decidir uma carreira.”
Ideia irracional. “Desenvolvimento de carreira envolve apenas uma decisão.”
Paradoxo criado. “Deveria decidir agora, mas não estou pronto para decidir. ”
Ideia alternativa. “Desenvolvimento de carreira envolve uma série de decisões, e não tenho que decidir tudo agora.“
“DESISTENTES NUNCA GANHAM”
A ideia associada a este mito é que se uma alguma coisa foi iniciada devia ser obstinadamente perseguida até o amargo fim! Não há espaço para erros para estas pessoas singulares que aderem a esta crença. Muitas vezes os clientes têm grandes dificuldades em elaborar novos planos de carreira, porque sentem que falharam. O psicólogo pode ajudar os clientes a reconhecer a “mudança” não como fracasso, mas como uma reação esperada para o desenvolvimento pessoal e uma parte importante do ambiente dinâmico em que vivem. As rápidas mudanças tecnológicas das últimas décadas têm forçado as pessoas a analisarem melhor, para prever e planear a mudança. No entanto, muitos indivíduos ainda veem a mudança como sinónimo de desistir ou perder. Há, no entanto, uma nítida diferença entre desistir e mudar.
Desistentes não têm nenhum plano; os que Mudam estão a integrar informações novas e diferentes experiências. É incongruente com a realidade ao acreditar que uma pessoa pode funcionar dentro de um ambiente em constante mudança sem mudar com esse ambiente.
“Preciso de escolher o curso certo porque não quero mudar depois de começar.”; “Sinto-me como se houvesse algo de errado comigo porque quero mudar.”; “Sinto que se começar isto, vou ter que terminar. Não é bom estar sempre a mudar…”
Ideia irracional. “Se mudar, é porque falhei.”
Paradoxo criado. “Não devo mudar, mas sou infeliz com o que estou a fazer. ”
Ideia alternativa. “Está certo mudar, desde que me mova em direção a algo. Alterar, optar por algo diferente é normal e uma resposta adaptativa. ”
“QUERO QUE TENHAS MELHOR DO QUE EU TIVE”
Este mito também podia chamar-se “a felicidade é um fim”. O raciocínio básico é que há um conjunto estabelecido de regras que, se seguidas, levarão à vida feliz. Este mito também assume que cada nova geração deve conseguir mais do que a precedente. Os pais muitas vezes são responsáveis por incutir nos jovens uma ênfase pouco realista sobre como seguir o ensino superior, que porventura eles não tiveram, ou transmitir a ideia de que uma educação ou um bom trabalho é uma solução mágica para resolver os problemas da vida. Esta mentalidade superprotetora desvaloriza a importância da aprendizagem através da experiência. Outro resultado do mito é que os jovens muitas vezes tentam alcançar metas que podem ser incompatíveis com suas habilidades e interesses porque acreditam que a realização desses objetivos resultará em certa felicidade. Por outro lado, não atingir esses objetivos provocará como resultado a infelicidade.
“Para ser feliz, preciso de ir para a faculdade.”; “Se conseguir um bom emprego vou ser feliz.”; “A faculdade vai dar-me um bom trabalho.”; “Se conseguir descobrir o que quero fazer, então tudo vai correr bem.”
Ideia irracional. “Se conseguir fazer isto, então vou ser feliz.”
Paradoxo criado. “Fiz todas estas coisas, mas ainda não sou feliz. ”
Ideia alternativa. “A minha felicidade não precisa de depender do cumprir metas sugeridas por outros. Preciso de experimentar os meus próprios triunfos e cometer os meus próprios erros no estabelecimento de um padrão eficaz de viver.”
“O TRABALHO É A MINHA VIDA”
A crença de que o trabalho é o elemento central e mais importante da vida de uma pessoa é o tema básico deste mito. As implicações irracionais são numerosas: Primeiro, significa que o trabalho de um indivíduo deve ser intrinsecamente satisfatório para se viver de forma eficaz. Segundo, isso implica que todo o tempo disponível e energia devem ser gastos no trabalho. Terceiro, isso implica que aqueles que não ganham dinheiro, ex, uma dona de casa de casa/doméstica, o jovem, o aposentado, os desempregados, os deficientes são obrigados a ser infelizes! É um facto que na sociedade nem todos encontram um trabalho que é intrinsecamente satisfatório. Segundo Hands (1976, p. 131) “A questão não é o trabalho que eu deveria fazer, mas o que constitui uma boa vida e como vai o trabalho contribuir para isso”. Esperemos que a necessidade humana se estenda para além do que é encontrado numa carreira. Necessidades importantes podem ser preenchidas fora dos limites de um determinado trabalho, mas muitas pessoas conceituam a carreira como um encapsular todas as suas necessidades principais.
“Sinto-me inútil quando não estou a trabalhar.”; “Não tenho tempo para fazer nada, apenas trabalho.”; “Estou interessado numa grande variedade de coisas, mas parece que não consigo colocá-las juntas numa carreira. “
Ideia irracional. “O trabalho deve satisfazer todas as minhas necessidades “.
Paradoxo criado. “O trabalho deve satisfazer todas as minhas necessidades, mas trabalhos como estes não existem. ”
Ideia alternativa. “O trabalho é importante, mas não é tudo. Posso satisfazer parte das minhas necessidades de forma eficiente mesmo que o trabalho não me satisfaça completamente. ”
“QUALQUER UM PODE SER PRESIDENTE”
O sonho americano…com muito trabalho e persistência qualquer um pode torna-se no "Presidente dos Estados Unidos", exemplifica bem este mito. O mito transmite, simplesmente, a ideia que “podemos fazer o que quisermos, desde que estejamos dispostos a trabalhar muito”. A implicação é que, se a pessoa não tiver sucesso, então só tem que se esforçar ainda mais! E embora o trabalho no “duro” é certamente importante, não é suficiente para garantir o sucesso. Determinação, por si só, não consegue substituir capacidade ou inteligência. Se a pessoa estiver convencida de que o fracasso é um resultado direto de não se ter esforçado o bastante, a pessoa pode começar novamente o mesmo ciclo impróprio de esforço. Este mito também oferece uma proteção do ego excelente quando o medo do fracasso está envolvido. Enquanto nenhuma tentativa real é feita, nenhuma falha real pode ocorrer! Nas palavras do nosso estudante universitário “poderia ter tido boas notas, mas simplesmente não tentei o suficiente.” A utilização deste mito protege o indivíduo de enfrentar arduamente o desafio e por vezes a dolorosa "falha" pessoal.
“Podemos parar de nos enganar ao acreditar que qualquer um pode fazer qualquer coisa, se tentar o suficiente, que todos vão ser promovidos a cargos executivos” (Hoppock, 1975)
“Posso fazer qualquer coisa que queira.”; “Estou a falhar, mas não é porque não consigo fazer o trabalho, é só porque não estou a tentar o suficiente.”; “Não estou a fazer isto bem. Tudo o que preciso fazer é trabalhar ainda mais.”
Ideia irracional. “Posso fazer qualquer coisa desde que esteja disposto a trabalhar muito.”
Paradoxo criado. “Posso alcançar qualquer coisa se trabalhar muito, mas estou a trabalhar muito e não estou a conseguir.”
Ideia alternativa. “O trabalho “duro” é necessário para conseguir algumas coisas, mas não é suficiente para que consiga alcançar tudo.”
“MEU FILHO, O MÉDICO”
Este mito surge a partir da tendência para avaliar o valor intrínseco de um ser humano por critérios extrínsecos. Perpetua a ideia de que algumas pessoas são melhores do que outras simplesmente porque detêm uma posição mais elevada na hierarquia profissional. Isto leva à suposição de que o mesmo indivíduo, naturalmente, seria uma "pessoa melhor como médico do que seria como um canalizador" (Alberti & Emmons, 1974). Também é a base da ideia de que o grau em que uma pessoa pode considerar-se autorrealizada é de alguma forma determinada pela posição que ele ou ela detém na sociedade. O fato é que algumas posições na sociedade contribuem para maior prestígio, mais poder económico, e assim por diante. O médico, no entanto, não vive de forma mais eficaz ou mais feliz do que outras pessoas com outras ocupações. Muitas pessoas aderem a este mito tomando decisões baseadas em prestígio e status apenas, sem levar em consideração outros fatores importantes de desenvolvimento de carreira. Warnath (1975) afirma que "as limitações reais do mercado de trabalho e taxa de desemprego sugerem que muitas pessoas terão que aceitar posições que não são prestigiadas, nem tão bem remuneradas. Isso não significa, no entanto, que eles estão condenados à infelicidade."
“Tenho que ter um trabalho gratificante.”; “Não posso sentir-me satisfeito a menos que me torne num____”.; “Assim que receba o meu diploma tudo vai correr bem.”; “Nunca poderia ser um___.”; “Não existe nenhuma forma de ser feliz se não me tornar num _____”.
Ideia irracional. “O meu valor como pessoa é integralmente relacionado com a minha profissão. ”
Paradoxo criado. “Devo ter uma ocupação de prestígio para viver de forma eficaz, mas ocupações de prestígio não garantem a vida eficaz. ”
Ideia alternativa. “A minha eficácia como pessoa é determinada por coisas acima e além do meu estado de ocupação profissional. Posso viver uma vida razoavelmente eficaz com a minha profissão. ”
Lewis,R. & Gilhousen, M.(1981). A cognitive approach to vocacional counseling. Adaptado por Ariel Milton, Psicólogo, PTSD Center