Agressão, Guerra & PTSD

Ariel Milton, Psicólogo

As agressões em animais são um comportamento adaptativo natural, um padrão testado pela evolução. 

O comportamento agressivo ajuda os animais a sobreviverem com recursos escassos, e acompanha a competição por alimentos, por um parceiro, território ou dominância. 

A formação duma hierarquia social elimina a necessidade de constantes conflitos competitivos, que são repletos de lesões físicas e desgaste calórico, e morte de membros da população. 

A baixa agressividade é essencial para a viabilidade e reprodução de uma população, sendo que a alta agressividade é prejudicial. 


O comportamento agressivo é também um objeto frequente da seleção sexual

A agressão é um comportamento inato, e desenvolve-se numa base instintiva sob condições ambientais provocantes... 


O principal fator de dissuasão de agressão intraespecífica quer seja em populações naturais, quer seja em populações estudadas em laboratório, é o estabelecimento de relações de dominância - subordinação


Como regra, animais subordinados contribuem muito para a manutenção da hierarquia, evitando conflitos com um macho dominante, forte e agressivo. 

Manifestações de agressão e comportamentos agressivos na sociedade humana estão entre os problemas sociais mais urgentes. 

Acredita-se que os fatores relacionados à vida social, ideológica, religiosa e política sejam as causas mais comuns dos conflitos agressivos.


Independentemente dos estímulos, ou motivos que induzem o comportamento agressivo, os mecanismos que regem o seu desenvolvimento são basicamente os mesmos.

As emoções podem ser agradáveis ou desagradáveis mas são todas adaptativas, isto é, orientam-nos para a nossa sobrevivência….são como um sistema de comunicações complexo, que regulam a forma como interagimos com o meio ambiente, com os outros e connosco.


As emoções básicas são: Alegria, Amor, Surpresa, Ira, Tristeza e Medo. Cada uma destas emoções TEM UMA FUNÇÃO e uma resposta neuropsicofisiológica. São como um “software” que não servem apenas para COMUNICAR em determinadas situações, mas para impulsionar à ação, e rápido.

Na maioria das situações do quotidiano estes comportamentos são-nos extremamente úteis:

- Por exemplo, se virmos uma cobra, o MEDO (tem a função de proteção e sobrevivência) vai-nos dizer para fugir;

- Se perdemos um ente querido a TRISTEZA (tem a função a reintegração pessoal, “motiva-nos a”) orienta-nos a sair do trabalho e ficar em casa para procurar “apoio”.


Mas, às vezes, as nossas emoções ficam desreguladas em padrões que não nos ajudam!


Por exemplo, o MEDO pode empurrar-nos a fugir de tudo,

a TRISTEZA de nos retirarmos das atividades que nos ajudam a sentir melhor, e

Ou a CÓLERA/RAIVA que nos leva a termos comportamentos explosivos e agressivos, prejudicando outros e a nós mesmos.

A Ira (cólera ou também chamada de “raiva”) surge quando a pessoa é submetida a situações de frustração ou aversivas, e tem a função de destruir o “inimigo” quando alguém nos “ataca”, ou nos retira algo que desejamos.


Portanto, a Ira está virada para a ação:

- interrompendo os processos cognitivos que se encontram em curso;

- centrando a atenção e a expressão dos afetos negativos na pessoa que a incita, e vem acompanhada de esquemas cognitivos de avaliação negativa: tendemos a pensar o pior dos outros quando estamos irados.

- a ira deixa-nos menos reflexivos;

- tendemos a fazer juízos rápidos baseando-nos nas características mais superficiais quando estamos irados.

Por outro lado, a Ira favorece a expressão de condutas motoras (ações) que têm como fim causar dano ou destruir (através da agressão e violência), por vezes de forma intencional, como acontece na guerra, outras por perturbação da conduta, ou até défices do controlo do impulso.

A Ira dota-nos de energia não leva necessariamente ao ressentimento ou à agressividade

Por outro lado, a Hostilidade leva à inimizade ou ódio pelo agente provocador, mas nem sempre vem acompanhada de ira/ressentimento, ou desemboca em agressão, ou violência.


A agressão excessiva, ou patológica, é um desafio para os profissionais de saúde (e diria também para os professores e pessoal não docente), pois episódios agressivos repetitivos são observados na estrutura de numerosas alterações psicoemocionais e perturbações neurológicas e psiquiátricas.

A ira é um problema comum em várias populações clínicas. No entanto, existem fatores que tornam os problemas de ira particularmente pertinentes para os veteranos de guerra.

A Guerra é o expoente máximo da violência e da IRA.

No estado de guerra, a quebra dos imperativos de LEI resulta na banalização da violência dirigida ao outro, e da morte, o que afeta diretamente o limite das ações que sustentam, ou destroem, o laço entre os povos.

Por definição, envolver-se em combate requer algum grau de agressão e /ou hostilidade.

A ira e a agressão são frequentemente percebidas como forças que facilitam a bravura e a prontidão de combate, enquanto a empatia e a sensibilidade são vistas como passivos numa situação de combate.

Características das operações militares  e  dos teatro de operações, na guerra colonial e no Iraque, RCA, Timor, kosovo e no Afeganistão, como a dificuldade de circunscrever as linhas inimigas com a guerra de guerrilha, o uso de explosivos improvisados, dispositivos e as minas terrestres, a insegurança constante vivida…, podem potenciar o impacto negativo da guerra sobre os militares….como por exemplo um Trauma Psicológico e Emocional como a PTSD...


Mas a guerra pode não levar necessariamente à psicopatologia e à PTSD. Muitos são os que foram expostos ao combate e a eventos traumáticos e não desenvolveram sintomas, ou tiveram sintomas mas que não são significativos…


Em muitos veteranos da guerra colonial, por exemplo, a experiência da guerra até fomentou o crescimento pessoal, uma maior maturidade pessoal a partir do desenvolvimento de uma personalidade mais resistente e madura; da tomada de consciência das próprias capacidades e força pessoal; o desenvolvimento da autodisciplina e a uma maior valorização da vida.


Uma parte significativa do treino militar afina as habilidades de tomar decisões em frações de segundos para responder objetivamente, ou agressivamente a qualquer indício de perigo, e até a lidar com um potencial impacto psicológico dum trauma

Portanto, TREINAM a sua resistência e resiliência. Este treino permite ao militar melhorar a sua resposta emocional em situações limite,  para que as emoções exacerbadas não tomem o comando das operações em combate, como por exemplo o medo, que pode ser paralisante e nada útil nestes contextos.

Emoções como medo ou compaixão servem apenas como distrações que impedem essas respostas mais objetivas e agressivas, que são necessárias.

(a agressividade usada pelo militar têm como fim causar dano ou destruir, e não implica, ou nem sempre vem acompanhada de hostilidade/ ou à inimizade ou ódio pelo agente provocador…). Por exemplo, quando numa missão de imposição de PAZ num determinado pais, mandatados pela ONU (Bósnia, Kosovo, Timor…), o militar usa a força e agressividade direcionada para objetivos específicos. Muitas vezes tendo simpatia pelas populações afetadas por estas ações…

Quando falamos de Tropas Especiais, este treino é ainda mais relevante…

Os operacionais têm exposição frequente a tiros/explosões:

Em Tropas Especiais…



Nestas tropas, o ser humano é mais importante do que material

RANGERS - Lamego, Portugal

O Centro de Tropas de Operações Especiais (CTOE) "Rangers" é uma unidade do Exército Português sediada na cidade de Lamego e destinada a formar tropas na área das Operações Não Convencionais.

Nos RANGERS os militares contratados tem um mínimo de 12ºano.

Os graduados tem frequência universitária, são licenciados ou mestrados.

No GOE Alfa, que é uma força de prontidão máxima, a maioria dos militares são profissionais.

Missões: confronto de alvos de grande importância; destruição de defesas aéreas e terrestres inimigas, Resgate e Salvamento em Combate (CSAR), patrulhas em território inimigo, etc.

Mas, por vezes…., estas mesmas habilidades, hábitos e crenças que são altamente adaptáveis ​​para situações de combate podem rapidamente tornar-se inadequados no regresso a casa…


É adaptativo ter fortes reações emocionais quando a nossa vida está ameaçada. Era importante que os nossos antepassados tivessem medo dos ursos, ou dos tigres de dentes de sabre…


Mas, estas reações emocionais intensas devem diminuir, ou desaparecer quando a ameaça já não está presente.


Ora, isso não ocorre em alguns militares com PTSD! E porquê?

Na figura vemos um processo de adaptação à guerra e, no fim da guerra, uma adaptação à vida civil. Allan Young (1990) afirma que nos teatros de guerra os militares habituaram-se a viver subjugados por mecanismos neurofisiológicos de sobrevivência adaptativa que se localizam “para lá do centro racional da mente”. Através destes mecanismos, “as percepções de perigo” conduziam a “sentimentos de perigo e frustração”, que conduziam a “sentimentos de ira e agressividade” que se

1) consumavam em actos de violência que lhes permitiam viver num meio hostil;

2) podendo assumir por vezes atitudes e posturas com as quais não se identificam mais tarde (fazer colares de orelhas do inimigo, acumular prémios, etc…as sevícias militares,

3) e, uma Habituação à violência


Após o abandono da frente de combate, esta habituação à violência afirmar-se-ia como mal-adaptativa, podendo alguns militares (10%) manifestarem sinais e sintomas típicos de uma PTSD como a hipervigilância, o medo das multidões e as perturbações do sono, pensamento intrusivos e repetitivos, ou flashbacks.

As dificuldades do militar resultariam assim de um compromisso deslocado. Continuaria a comportar-se como se ainda estivesse em guerra.


Uma das modalidades narrativas usadas para o efeito intitula-a Allan Young (1990: 76-79) “narrativa do self e da sobrevivência”. Esta narrativa providenciaria uma resposta ao seguinte dilema: Como posso eu viver comigo mesmo assim que tomo conhecimento dos meus actos odiosos?

A narrativa diz que, apesar de os pacientes deverem assumir a responsabilidade pelo seu comportamento de maneira a recuperarem, há uma forma de evitarem aceitar qualquer responsabilidade moral. A narrativa permite remover o paciente do escopo do julgamento moral”. Transforma as condições a partir das quais o julgamento moral é realizado.


Este modelo explica, também, outro tipo de queixas sintomáticas associadas à desordem de stress pós-traumático, isto é, a emergência de sentimentos de culpa. Nesta narrativa, a culpa, segundo Young, “perde o seu poder significativo”. Deixa de significar algo de mau (os actos praticados em comissão). A culpa passa a ser “em si mesma” algo de mau: ela é sintomática e mal-adaptativa.


PORQUÊ QUE OS VETERANOS TEM MAIS DIFICULDADE em lidar COM a CÓLERA/AGRESSÃO? “SURVIVAL MODE”


Estes indivíduos têm mais probabilidade de atribuir erroneamente a intenção maliciosa e reagir de forma exagerada a incidentes menores, e como o seu nível de excitação é calibrado para responder de forma intensa e rápida, por vezes, é difícil para eles avaliarem objetivamente as situações, ou moderar a sua resposta emocional. Para muitos veteranos de guerra, “baixar a guarda” e não invocar respostas “ameaçadoras” às frustrações quotidianas pode ser difícil….


São vários os exemplo de tabloides ….que muitas vezes colam a violência doméstica, homicídio, ou atos violentos à PTSD e aos veteranos de guerra


Claro que a PTSD está associada a IRA e Agressão em amostras de veteranos de guerra, como estarão associadas noutras amostras, certamente, mas isso não significa que os militares sejam mais agressivos ou violentos do que os civis sem PTSD, ou stress


Aliás, a maioria do pessoal militar que passa por eventos traumáticos horrendos durante o combate não volta para casa e começa a matar civis!...


Na verdade, a reação mais provável é afastarem-se, ficarem ansiosos e ficar com medo do ambiente, ou da sua reação. Eles são muito mais propensos a tornarem esquivos do que atacar os outros.