Post-traumatic growth
Ariel Milton, Psicólogo
Trauma como elemento regenerador
A experiência traumática pode tornar-se num ponto de partida para uma reorganização de vida com reorientação de valores, opções e objetivos no sentido do crescimento e do amadurecimento pessoal. Existem duas noções aparentemente opostas sobre as ramificações do trauma. A primeira, amplamente adotada, postula que o trauma tem um efeito patogénico. Os eventos traumáticos comprometem o equilíbrio físico e psicológico, dando origem a uma ampla gama de complicações de saúde física e mental. Um conjunto considerável de estudos empíricos dá suporte a esta visão, documentando o aumento das taxas de PSPT, depressão, ansiedade, somatização e alcoolismo (Kessler, Sonnega, Bromet, Hughes, & Nelson, 1995). Uma perspetiva alternativa propõe que o trauma tenha um efeito edificante. As pessoas podem desenvolver uma perspetiva positiva e experimentar mudanças psicológicas positivas na sequência de eventos traumáticos (Tedeschi & Calhoun, 2004).
Muitos sobreviventes de traumas descrevem a sensação de um crescimento psicológico, emocional ou espiritual como resultado de adversidades superadas como a guerra, violência familiar, abuso infantil e acidentes com risco de vida, desastres ou doenças. Os sobreviventes de trauma descreveram os seus sentimentos como se tivessem uma segunda oportunidade de vida e, como resultado, passaram a apreciar mais as oportunidades que têm nas suas vidas e relacionamentos. Experiências que antes pareciam banais, ou passavam despercebidas na pressa de cumprir prazos e seguir rotinas habituais, parecem ter um novo significado. O sobrevivente pode sentir-se capaz, ou até ser internamente compelido a “parar e cheirar as rosas” – isto é, prestar atenção e encontrar valor em todas as experiências. Alguns dizem que sentem um senso de clareza de visão e propósito, ou um novo conjunto de prioridades (Salter & Stallard, 2004). Em consonância com a psicologia positiva (Csikszentmihalyi & Seligman, 2000) os “sobreviventes” podem obter benefícios psicológicos, podendo resultar num crescimento positivo perante as dificuldades (Malhotra & Chebiyan, 2016).
O que é crescimento pós-traumático?
As adversidades acontecem a todos, e embora algumas pessoas as experimentem com mais frequência ou intensidade do que outras, ninguém escapa totalmente delas. Quando surge uma crise, podemos cair emocionalmente, ou erguer-nos e florescer. Podemos crescer durante os tempos difíceis e sair da crise com valor acrescentado. O Crescimento Pós-traumático - Post-traumatic growth (PTG) é essa forma de mudança positiva que as pessoas experimentam como resultado de se debaterem com grandes crises de vida, ou um evento traumático.
O termo crescimento pós-traumático (PTG) sugerido e desenvolvido pelos autores Tedeschi e Calhoun (1995, 1996, 2004) significa que o indivíduo se transformou em novas formas que vão para além do seu nível de funcionamento psicológico anterior (Fig.1), incluindo trajetórias que Julian et al. (2009) definiram como “resistência” “resiliência”, “recuperação” e “crescimento pós-traumático”(percurso 4). Isto pode implicar um aumento de força pessoal, intimidade relacional, senso de espiritualidade, valorização da vida e possibilidades de vida. Algumas pessoas são resilientes, o que significa que após uma situação difícil, recuperam o seu nível de funcionamento anterior de forma mais célere. No entanto, embora o crescimento pós-traumático geralmente leve à resiliência de uma pessoa, não é exatamente o mesmo que resiliência. PTG não acontecerá com alguém que já é resiliente perante o trauma, pois uma pessoa resiliente não será tão abalada por tal evento.
PTG acontece quando alguém se debate (luta) para se recuperar da experiência de um evento traumático, que o faz questionar as suas crenças centrais, passar por lutas psicológicas, desafiar as suas capacidades e, finalmente, alcançar uma sensação de crescimento pessoal (Fig.2). Contudo, a experiência traumática não causa PTG diretamente, mas é um catalisador para a criação de significado, que é um passo necessário para mudar esquemas antigos (negativos) para uma perspetiva mais positiva.
Portanto, PTG surge de uma reestruturação cognitiva. Após a experiência traumática fica instalado o “caos mental”, e as pessoas podem reexaminar os seus sistemas de crenças pessoais e pensar repetidamente no evento traumático, sobre causas e consequências dos eventos. É a chamada “ruminação”, (deliberada) que é um fator chave para o PTG, e que deve ser incentivada e explorada em psicoterapia para favorecer o “crescimento pós-traumático”.
A conceitualização do PTG e a sua inclusão na intervenção psicológica baseiam-se em dois elementos: a crescente literatura sobre este fenómeno e as nossas experiências clínicas combinadas na prática de psicólogos clínicos (Tedeschi & Calhoun, 2013). A literatura empírica focada especificamente no PTG é bastante recente e ainda limitada em alguns aspetos. E, quando se baseia na experiência clínica, existe a possibilidade de um viés inadvertido. No entanto, como as nossas conceções de PTG têm dados para apoiá-los, este modo de pensar parece oferecer uma expansão útil da forma como as intervenções psicológicas são feitas em pessoas que lidam com o trauma e as suas consequências.
Existem várias mudanças positivas que as pessoas experimentam na luta com stressores importantes refletidas no Inventário de Crescimento Pós-traumático (Fig.3) Post Traumatic Growth Inventory (PTGI), R. Tedeschi & L. Calhoun, 1996; Versão Portuguesa: S. Silva & M.C. Canavarro, 2009 (conheça o PTGI aqui), como relacionamentos aprimorados, novas oportunidades de vida, uma maior apreciação pela vida, um maior senso de força pessoal, e desenvolvimento espiritual. Parece haver um paradoxo básico apreendido pelos sobreviventes de trauma que relatam estes aspetos do PTG, de que as suas perdas produziram ganhos.
Milton, A. (2021). Luto e Crescimento Pós-Traumático. In S. Gabriel, M. Paulino & T. Baptista (Eds.), Manual de Intervenção Psicológica no Luto (pp.305-328). Lisboa: Pactor
Figura 1 – Trajetórias de adaptação após eventos stressantes ou traumáticos da vida.
Figura 2 – Possíveis resultados após adversidade. PTG - Post traumatic growth; PTSD - Post Traumatic Stress Disorder
Figura 3 – Post Traumatic Growth Inventory (PTGI), R. Tedeschi & L. Calhoun, 1996; Versão Portuguesa: S. Silva & M.C. Canavarro, 2009
Quais são os indicadores de crescimento pós-traumático?
Quando uma pessoa “cresce” depois de ultrapassar uma adversidade, passa por muitas mudanças em níveis fundamentais. Para avaliar se, e em que medida, uma pessoa cresceu após um trauma, os psicólogos procuram os seguintes indicadores:
Força pessoal – As adversidades geralmente aumentam a resistência e a resiliência, moldando como as pessoas lidam com os desafios subsequentes. As pessoas muitas vezes extraem força e coragem do infortúnio depois de terem sido apanhadas na tragédia “Se eu sobrevivi a isto, posso lidar com qualquer coisa.”;
Maior valorização da vida – Experimentar dificuldades não nos prepara apenas para lidar com situações negativas no futuro, mas também nos ajuda a valorizar as coisas positivas da vida. Sobreviver a um evento com risco de vida ou a uma doença ajuda a pessoa a apreciar o simples “presente” de estar vivo! Embora as pessoas que passam atualmente por um trauma mostrem menos propensão a saborear eventos positivos, aqueles que lidaram com traumas no passado mostram mais capacidade de apreciar os pequenos prazeres da vida;
Novas possibilidades – As pessoas que superaram grandes desafios desenvolvem a sensação de que novas possibilidades surgiram da luta, abrindo oportunidades que não estavam presentes antes;
Relacionamento com os outros – Enquanto algumas pessoas experimentam relações mais próximas com pessoas específicas após um trauma, outras sentem uma maior sensação de conexão com aqueles que sofrem, até mesmo com estranhos;
Mudança espiritual – Uma mudança significativa nas crenças de uma pessoa pode causar um aprofundamento da vida espiritual. Vivenciar o trauma promove em algumas pessoas um novo propósito de vida, às vezes que vai além de si mesmo e se estende à sociedade como um todo;
O que determina o nível de crescimento?
Nem todas as pessoas que experimentam PTG mostram o mesmo nível de crescimento. Isso ocorre porque cada pessoa é diferente e passa por diferentes tipos de traumas e o vive em circunstâncias diferentes. Diante disso, o que decide o quanto uma pessoa cresce após um trauma?
De acordo com um estudo (3), duas características tornam algumas pessoas mais propensas a experimentar PTG: extroversão e abertura à experiência. Isso ocorre porque os extrovertidos são mais propensos a procurar conexões com os outros, e as pessoas que são mais abertas são mais propensas a reconsiderar os seus sistemas de crenças. O estudo também descobriu que as mulheres tendem a relatar mais crescimento do que os homens, embora a diferença seja muito pequena. Um outro estudo (1) que examinou duzentos sobreviventes do furacão Katrina descobriu que os genes também desempenham um papel na decisão do nível de PTG que se experimenta.
Está estabelecido que, embora PTG seja bastante comum, não é universal. É importante que os psicoterapeutas com os seus clientes reconheçam sinais de trauma não resolvido – retraimento e isolamento, sentir-se sobrecarregado com os altos e baixos da vida, não serem capazes de seguir em frente com a vida – e tomem as medidas apropriadas para trazer uma solução para esse problema.
Porém, o crescimento pós-traumático certamente não torna os eventos traumáticos "bons". Contudo, para muitos de nós, as adversidades são inevitáveis e não temos escolha entre sofrimento e crescimento, por um lado, e nenhum sofrimento ou crescimento, por outro.
Por fim, não menosprezando o impacto patogénico do trauma, recentemente um conjunto de estudos tem vindo a revelar, de forma consistente, o PTG relatado por sobreviventes após vários traumas físicos e psicológicos (Tedeschi & Calhoun, 2013). Como os resultados de trauma edificante e patogénico já foram documentados, uma questão imperativa é como eles se relacionam. Embora existam vários estudos sobre o tema, uma metanálise relatando 77 estudos (Helgeson, Reynolds, & Tomich, 2006), verificou que a relação entre PTG e distress ainda está mal definida. Um outro estudo longitudinal quis conhecer a interação entre PTG e PSPT examinando as suas direções bilaterais (Dekel, Solomon, & Ein-Dor, 2012) concluindo que o PTG é uma resposta ao distress e não o contrário, encontrando em indivíduos com PSPT níveis mais altos de PTG e mais vezes do que em indivíduos resilientes que não endossavam os sintomas de PSPT.
Referências bibliográficas:
Dunn EC, Solovieff N, Lowe SR, Gallagher PJ, Chaponis J, Rosand J, Koenen KC, Waters MC, Rhodes JE, Smoller JW. Interaction between genetic variants and exposure to Hurricane Katrina on post-traumatic stress and post-traumatic growth: a prospective analysis of low income adults. J Affect Disord. 2014 Jan;152-154:243-9. doi: 10.1016/j.jad.2013.09.018. Epub 2013 Oct 1. PMID: 24161451; PMCID: PMC3873605.
Milton, A. (2021). Luto e Crescimento Pós-Traumático. In S. Gabriel, M. Paulino & T. Baptista (Eds.), Manual de Intervenção Psicológica no Luto (pp.305-328). Lisboa: Pactor
Tedeschi RG, Calhoun LG. The Posttraumatic Growth Inventory: measuring the positive legacy of trauma. J Trauma Stress. 1996 Jul;9(3):455-71. doi: 10.1007/BF02103658. PMID: 8827649.
Tedeschi, R.,G. & Calhoun, L. (2004). Posttraumatic growth: Conceptual foundations and empirical evidence. Psychological Inquiry, 15(1): 1-18.
Tedeschi, R., G. & Calhoun, L. (2013). Clinical applications of posttraumatic growth. In Contexts of Clinical Practice (pp. 503-518). Taylors & Francis. https://doi.org/10.1207/ s15327965pli1501_01